Depois de atenta leitura e leve estudo sobre o trabalho do meu trisavô Guilherme João Carlos Henriques achei por bem referenciá-lo numa enciclopédia virtual aqui na Internet, a Wikipédia. Mas à medida que ia levantando informarção para a colocar on-line, multiplicavam-se os interesses específicos e o número de nomes e referências que apareciam era cada vez maior, interligando-se numa interminável teia de panorama histórico que me prendeu desde o início até aqui, o que penso ser o primeiro passo no encalço do trabalho deste meu antepassado.

Em paralelo tenho vindo a desenvolver uma também iniciática investigação genealógica com o objectivo de reconstruir a árvore da famí­lia. Como nestes campos os resultados de busca se tornam tão dispersos como ricos, e como julgo como primeiro bem necessário a partilha de conhecimento, coloco todo o trabalho reunido que considero relevante em domí­nio público julgando com isso oferecer, através do meu lazer, alguma informação a quem por ela se interesse. Para esta 5.ª edição não oficial do trabalho de investigação sobre a Quinta da Carnota, transcrevi os textos referentes para o computador, corrigindo-os, adaptando-os e juntando-lhes toda a informação gráfica contemporãnea e antiga que já tinha da pesquisa genealógica. Sabendo que depois da sua aquisição pelo Conde de Carnota, a Quinta passou a ser uma casa de famí­lia que, embora já separadas, casa e família ainda hoje existem. Por isso e nas Épocas referentes ás edições da obra original apresento a versão aumentada de um novo valor, o valor histórico de uma famí­lia.
Guilherme Noronha

Junho de 2006

Último Capítulo

No pavimento térreo, do lado ocidental do claustro, há uma casa que foi prisão dos refractários; outra, mais adiante, que servia de aula para o ensino das crianças da localidade; e no canto, pegado com a igreja, está a serventia para a casa da Portaria.
Na parte inferior da cerca, por baixo da ermida de Nossa Senhora da Graça, está o edifício que foi Presépio e hoje está desmantelado e servindo de cavalariça. Foi mandado fazer, em 1569, pela Infanta D. Maria, filha d'El-Rei D. Manuel, que, achando-se em Alenquer com a cunhada, a Rainha D. Catarina, tendo ambas abandonado Lisboa por causa da peste que então rei­nava, veio com ela em romaria para aqui.
Ainda existia em 1860, mas já muito estragado, por­que a madeira do telhado apodreceu, e as imagens, mui­tas das quais eram de barro cru coberto de gesso e ver­niz, estavam desfeitas pela chuva que penetrava. Entre­tanto, via-se que tinha sido grandioso, e que as figuras eram muito naturais e bem moldadas. O edifício estava dividido em duas partes por um arco de cantaria, então aberto, mas hoje com o vão cheio de alvenaria. Aquém do arco era o recinto aonde se juntavam os espectado­res, detidos por um gradeamento. Esta parte ainda se conserva, e tem as paredes revestidas de um mosaico de conchas e pedaços de louça, de bonito desenho, e de muita paciência na fabricação.
Do arco estava um anjo dependurado, anunciando a boa nova: «Natus est vobis hodie salvator qui es Christus».
Além do arco, no pavimento térreo e no meio, em formosa gruta, formada de estalactites, escorias, conchas e louça, estava o Menino Deus, no berço, com seus pães, e o coro angélico. De um e outro lado viam-se as portas da Cidade Santa, e da parte alta desta, que estava no fundo e representada por casas, chafarizes, moinho de vento, etc., tudo em miniatura, desciam os Reis Magos com seus séquitos, e gente de todas as classes do povo, admiravelmente esculpidas, no tamanho de cinquenta centímetros de altura, que se dirigiam ás portas para admirar o recém-nascido Salvador do Mundo.
Ao lado da entrada principal das casas do antigo convento há um arco, hoje tapado, que era outrora a comunicação entre a portaria e a cerca.
Sobre o pórtico, que é moderno, lê-se, gravado em pedra, a seguinte decima, que naturalmente foi, em tempo, considerada um primor porque existiu também em letra grada, pintada em azulejo noutra parte (26):

Se a Moysés por Deus foi dada
No Sinay a Lei escripta,
Catharina, por mayor dita,
Lá foi dos anjos levada:
Seja a figura sagrada,
Que he mais santo o figurado,
Pois se lhe deo elevado
Em figura a Lei Divina,
Deo na graça a Catharina
Mais que a Moysés tinha dado.

Por esta frente não havia entrada, no tempo dos frades.
Perto da casa de habitação, a ermida da Anunciação está ainda em bom estado de conservação, devido, tal­vez, a ser de construção mais moderna que as outras, das quais, na mata de baixo, apenas existe, com figu­ras, a capela da Apresentação no templo. No meio daquela mata havia ainda, em 1870, uma capelinha com uma imagem de S. João Baptista, que Frei Gaspar da Carnota trouxe de Alhandra em 1591. Tinha sido ofertada pelo Infante D. Luiz, filho d’El-Rei D. Ma­nuel, á igreja daquela vila; mas, por ser muito pesada, se não pôs no altar e, estando em arrecadação, depressa ficou em estado tal que não houve dúvida em a ceder para este convento. Fez-se a capelinha para a receber; e, em um nicho sobre a porta, se pôs uma ca­beça do mesmo santo, obra primorosa, que a Condessa da Castanheira tinha dado a Frei Marcos de Lisboa, por­que era muito particularmente seu devoto.
Esta capelinha de S, João ficou completamente ar­ruinada pelas fervidas que no ano, terrivelmente invernoso, de 1876, tiveram lugar na mata de baixo e de cima, chegando a ameaçar a própria casa.
Nesta parte da quinta está a Fonte da Samaritana, que nos últimos cinquenta anos nunca tem deixado de dar, com maior ou menor fartura, a sua deliciosa e fresca água. Aí ainda se admiram as pesadas e sólidas mesas de pedra; a imagem de Santa Barbara, no seu nicho, advogada contra os trovões e raios; e os belos azulejos representando as Bodas de Cana, o Milagre dos Cinco Pães e Dois Peixinhos, a Ceia em casa do homem abastado de Carpenaum e a cena de Madalena lavando os pés do Divino Mestre: mas falta o poço com seu dístico, Dá mihi bibere, que estava no nicho grande, sobre a bica, e as figuras do Senhor de um lado, e da Samaritana do outro, com seu balde, que tudo o vandalismo ignorante fez desaparecer.
Na Mata de cima as capelas abundavam, e algumas ainda existem; mas sem figuras. Estas ainda se viam há quarenta anos, mas em estado tal de delapidação que inspiravam no vulgo mais hilaridade que respeito; e por isso entendeu-se ser mais correcto enterra-las, como se fez. As imagens das três Marias, que desciam pela escada da Ascensão para a sepultura, que ficava por baixo do enorme penedo aonde Ruperto em tempo se alojara, tinham vindo do Convento de Lisboa, trazidas por Frei Francisco Noé, uma das luzes da Ordem.
Os formosos pinheiros, que ficam da serra para cima, devem ter sido plantados pouco depois da aquisição do terreno, em 1546. Um deles, que caiu, por si, em 1887, deu, depois de falquejado, um toro de 4m,50 de comprido por lm,0 de grossura em cada sentido. No topo contaram-se 285 anéis, correspondentes a, pelo menos, outros tantos anos de existência.
Os corvos de que fala Frei Agostinho de Santa Ma­ria, quando trata de Nossa Senhora da Graça, ainda hoje, dois séculos e meio decorridos, vêem, anualmente, fazer aqui seus ninhos e criar os filhos, retirando-se depois para outra parte.
Em cada lado da cerca há uma porta de saída; mas é claro que, no tempo dos frades, não devia haver senão a principal. Com efeito, as do fundo e do sul são de 1887; e a do muro de cima foi aberta, pouco mais ou menos no centro, pelo Sr. Kantzow, e mudada para canto do sudeste, onde actualmente se acha, pelo Conde da Carnota. O logradouro, para o sul da cerca, chamasse, desde épocas remotas, mata da Portinha; mas será por causa de um postigo que se vê ter havido no muro daquelle lado e que, provavelmente, foi aberto, em tempo, para facilitar as obras de construção.