Depois de atenta leitura e leve estudo sobre o trabalho do meu trisavô Guilherme João Carlos Henriques achei por bem referenciá-lo numa enciclopédia virtual aqui na Internet, a Wikipédia. Mas à medida que ia levantando informarção para a colocar on-line, multiplicavam-se os interesses específicos e o número de nomes e referências que apareciam era cada vez maior, interligando-se numa interminável teia de panorama histórico que me prendeu desde o início até aqui, o que penso ser o primeiro passo no encalço do trabalho deste meu antepassado.

Em paralelo tenho vindo a desenvolver uma também iniciática investigação genealógica com o objectivo de reconstruir a árvore da famí­lia. Como nestes campos os resultados de busca se tornam tão dispersos como ricos, e como julgo como primeiro bem necessário a partilha de conhecimento, coloco todo o trabalho reunido que considero relevante em domí­nio público julgando com isso oferecer, através do meu lazer, alguma informação a quem por ela se interesse. Para esta 5.ª edição não oficial do trabalho de investigação sobre a Quinta da Carnota, transcrevi os textos referentes para o computador, corrigindo-os, adaptando-os e juntando-lhes toda a informação gráfica contemporãnea e antiga que já tinha da pesquisa genealógica. Sabendo que depois da sua aquisição pelo Conde de Carnota, a Quinta passou a ser uma casa de famí­lia que, embora já separadas, casa e família ainda hoje existem. Por isso e nas Épocas referentes ás edições da obra original apresento a versão aumentada de um novo valor, o valor histórico de uma famí­lia.
Guilherme Noronha

Junho de 2006

Depois do que fora dito deste fidalgo, no artigo an­tecedente, não serão talvez inúteis alguns apontamentos sobre a sua vida, para demonstrar ao leitor o grande merecimento do vulto cujos ossos repousaram alguns anos sob a campa da capela-mor da igreja que ele erigiu, e depois foram passados para outro sítio, e mais tarde dis­persos, graças á incúria dos seus descendentes, e á avareza dos frades.
É António Corrêa um dos capitães que mais fama adquiriu nas guerras da índia, e que mais contribuiu para a ampliação e consolidação do império português naquelas paragens. Nascendo em 1490, acompanhou seu pai para a Índia, quando ainda, de tenra idade. Ayres Corrêa, o pai, era feitor de Calicut, valente guerreiro e rico pro­prietário, tendo algumas naus suas. Em 1500, quando António contava apenas dez anos, houve um levanta­mento dos Índios de Calicut, em que os cristãos, ataca­dos de improviso, foram derrotados; e entre os mortos achou-se Ayres Corrêa.
Dos últimos que puderam fugir á carnificina foram cinco frades e um marujo, que, apesar de mal feridos, tiveram dó da infeliz criança que tão cedo ficara órfã, e levaram António Corrêa para bordo de uma das naus, aonde se foi criando, e em poucos anos tirou terrível desforra pela morte do pai.
A primeira vez que o achamos pelejando foi em 1510, na defesa de Cafim, aonde ocupou uma brilhante posição entre os numerosos fidalgos que lá se acharam. Depois, o seu nome aparece em quase todos os feitos de armas naquelas terras. Numa incursão que Nuno Fernandes fez pelas terras dos índios, em 1511, lá se achava. Em 1518 foi mandado a Malaca, com duas naus, e daí foi com quatro naus a Pegu, para onde ia nomeado embai­xador. Chegando a Malaca, que se achava sitiada, fez levantar o cerco; e depois, seguindo a Pegu, fez um tra­tado com o rei da terra. Voltando novamente a Malaca ofereceu-se para castigar o rei de Bintão, que se tinha levantado contra os portugueses; e, apesar das dificuldades do terreno e o número dos inimigos, o desbaratou de tal forma que o rei recolheu-se á sua capital. António Corrêa, voltando á Índia carregado do rico despojo que tomara, foi recebido com os maiores festejos e honras.
Na armada grande que foi sobre Diu, em 1521, An­tónio Corrêa comandava uma nau, e o irmão Ayres, outra; e foi ele um dos que Diogo Lopes de Sequeira consultou sobre o sítio em que devia erigir uma fortaleza próxima á cidade.
Em Junho do mesmo ano foi mandado á ilha de Baharem, castigar o tirano Mochrim que se tinha revol­tado contra o rei de Ormuz, seu direito senhor. Chegada a frota á ilha, Corrêa mandou atacar a capital, em 27 de Julho, e após valente peleja tomou a cidade e matou Mochrim. Aqui ficou o capitão ferido num braço; e seu irmão, Ayres, de muito ferido que estava, caiu, e por pouco não morreu. Restabelecida a ordem, Corrêa partiu para Ormuz a reunir-se a seu tio e chefe, Diogo Lopes, para procederem á construção da fortaleza de Diu.
Chegando a Chaul, soube que Diogo Lopes já tinha partido; e lá ficou esperando novas ordens. Um dos ca­pitães índios, chamado Hagamahamied, veio a Chaul com uma grande armada alcança-lo; mas António Corrêa, apesar de estar quase exausto de pólvora, deu tão boa conta de si, que o índio teve de se retirar com grande perda de gente,
Eis, em resumo, os feitos mais salientes da vida deste ilustre soldado das índias. Voltando á pátria, coberto de riqueza e gloria, D. João III lhe ordenou que, em me­mória da ilha que tomou, juntasse o nome de Baharem ao seu apelido de Corrêa; e deu-lhe por armas uma cabeça coroada, escorrendo sangue, em memória do rei Mo­chrim que degolou.
António Corrêa Baharem morreu em 1566. Dele diz um autor moderno:
«Durante o governo de Lopes Soares de Albergaria e de Diogo Lopes de Sequeira, foi António Corrêa, o vencedor de Baharem e Chaul, o herói do Oriente, o vulto prestigioso que deslumbrou os índios. Vimos como este herói, filho de Ayres Corrêa, o feitor de Calicut, escapara, graças á dedicação de um mari­nheiro, aos golpes dos inimigos. A morte do pai vingou ele amplamente; e o seu nome foi repetido com terror por todos os ecos da índia.»
Pois leitor, desse herói, cujas cinzas mereciam um monumento para recordação dos seus feitos nos séculos vindouros, nem ao menos resta a campa que marcava o sítio onde seus ossos repousam.

Sic transit gloria mundi.

O seu epitáfio, conforme existia em 1825, era o seguinte:

Esta capella e sepultura é de António Corrêa Baharem, do conselho d’El-Rei D, João III, e de D. Isabel de Castro sua, mulher e dos seus her­deiros. Faleceu a 17 de Outubro de 1566.